Não sei jogar

Sei que é muita pretensão da minha parte, mas a idéia desse (mais um) blog é retratar o dia-a-dia através das lentes (onde estão os meus óculos?) tão pouco usadas por todos nós...

Thursday, November 17, 2005

Dia 20

Bom, falemos de assuntos amenos. Que tal consciência? Legal! Todos gostam de falar a manjada frase “temos que ter consciência”. Não precisa ser rapper para viver falando em consciência, conscientização ou qualquer palavra derivada. “Menino, você precisa ter consciência do que faz”, dizem as mães. E por aí vai... Palavra mais usada verbalmente do que colocada em prática, que dá um ar severo a quem usa, que demonstra força a quem diz possuir.
Então vou falar do dia 20 de novembro, “Dia Nacional da Consciência Negra”. No Rio, as crianças e até muitos adultos, chamam de feriado do Zumbi. Usa-se a data alusiva a Zumbi dos Palmares para se discutir a consciência negra.
Vamos falar da consciência negra, até porque se a consciência em si já está difícil de ser encontrada, imaginem a negra. Os dados são desfavoráveis para qualquer discussão positiva a respeito: 50% da população é negra; os salários mais baixos do mercado são ganhos por negros, sendo que as mulheres negras recebem menos ainda; somente 5% dos cargos de chefia são ocupados por negros; 90% dos moradores de favelas são negros, e por aí vai. São tantas estatísticas que eu prefiro fugir delas e me ater ao que vejo e ouço a respeito da sociedade racista em que vivemos. Minha família mora no interior da Bahia, embora todos sejam cariocas. Gostam de morar lá como todo turista que visita o estado que recebeu Cabral, quando ele estacionou sua caravela em nosso país. De vez em quando eles vão visitar a bela Salvador, cidade povoada por população negra, embora dominada até hoje pelos coronéis brancos. Basta visitar o shopping para você notar que os negros não trabalham como vendedores. Lá os shoppings contratam por “boa aparência”. Só para a gente botar a imaginação para funcionar, existe uma cidade ao lado da que moram meus familiares, chamada Caravelas. Conta a história local, que os negros escravizados por lá, souberam da abolição seis meses depois, pois os senhores “esqueceram" de avisá-los que eles tinham se tornado livres. Isto levou seis meses para ser descoberto pelos então escravos e gerou uma revolta sem precedentes no local. Conclusão: os brancos foram expulsos da cidade e seus bens foram tomados pelos negros duplamente humilhados. Eu diria que foi a primeira ação de danos morais realizada coletivamente em nosso país com ganho de causa para o prejudicado. De lá para cá, o que mudou? Os negros no Rio foram exilados em favelas, pois seus senhores se recusavam a empregá-los. O analfabetismo foi usado como arma para que eles não pudessem evoluir socialmente. A discriminação que não podia ser mais através do tipo de trabalho, passou a se dar de todas as formas possíveis, além das que já eram usadas durante a escravidão. Como na canção Morro Velho do Milton Nascimento:

Filho de branco e do preto.
Correndo pela estrada atrás de passarinho
Pela plantação adentro...
...Filho do sinhô vai embora
Tempo de estudar na cidade grande
Parte, tem os olhos tristes
Deixando o companheiro na estação distante
Não me esqueça, amigo, eu vou voltar...
...Quando volta já é outro...
...Já tem nome de doutor
E agora na fazenda é quem vai mandar
E o seu velho camarada já não brinca, mas trabalha
.”

9 Comments:

  • At 5:34 PM, Anonymous Anonymous said…

    Paulinho,
    melhor a cada dia! Vamos ter 'consciência'? De quê?! Qual?!
    Enfim, vamos mudar esse mundo! Utilizando "todas as nossas consciências" para isso!
    Bjs!

     
  • At 5:47 PM, Anonymous Anonymous said…

    Cândida,
    vc tem toda as razões: precisamos usar todas as consciências!!!!!!!!

    bjs,

    Paulinho

     
  • At 4:51 AM, Anonymous Anonymous said…

    Paulo, se suportares o Bach, vai ter o concerto de natal com a OSPA e corais da UFRGS e SOGIPA no Teatro do SESI, 18 de setembro. Está ficando linda. ;-) Caso mores em Porto Alegre, estás convidado.

     
  • At 4:52 AM, Anonymous Anonymous said…

    Retificando: 18 de DEZEMBRO! rs.

     
  • At 10:16 AM, Anonymous Anonymous said…

    Tào difícil esse negócio de ter consciência, né? Acho que a expresão quer dizer literalmente "cuidar do próprio umbigo", e não atrapalhar mais ninguém. Mas é mais fácil dizer que a sala do vizinho é mal-arrumada que limpar nosso próprio banheiro. Fico puto com racismo. Ah, se eu fosse o Superman...

     
  • At 11:00 AM, Anonymous Anonymous said…

    Edu, usando um pouco do belo dialeto gaúcho em homenagem a Lívia:
    Tu não és o Superman, mas podes impedir o racismo e toda prática discriminatória a tua volta.
    É a chamado "fazer a nossa parte".
    O importante é que os racistas fiquem putos com a gente e saiam do nosso terreiro.
    abs,

    Paulinho

     
  • At 11:02 AM, Anonymous Anonymous said…

    Simy querida,

    Até esqueço da dor na perna...hehe
    Acho que vou seguir o conselho do Edu.

    bjs,

    Paulinho

     
  • At 2:47 PM, Blogger Raquel said…

    parece que o Manderlay (continuaçao de dogville) eh um lance assim, dos escravos que ainda nao descobrirao sobre a aboliçao. to querendo muito ver. se vcs forem deem uma ligadinha.

     
  • At 4:45 PM, Blogger Paulo de Tarso said…

    Raquel,

    Valeu o toque não sabia do tipo da história. Se Cris topar eu vou na boa.

    Paulinho

     

Post a Comment

<< Home

|