Parece mas não é...

Segunda semana de atribulações, dessa vez um pouco mais perto dos meus passos tortos. Passos que dou diariamente tentando me aproximar de pessoas ou delas me afastando.

O telefone toca na noite de domingo, justamente na hora da lavagem da louça. Amo lavar louça. Lavo louça desde bem pequeno, comecei como ajudante de lavadora de louça. Minha avó lavava e eu ao lado ficava esperando para poder enxugar. Durante alguns anos exerci a função de forma diletante, até que meu tamanho permitiu-me lavar a louça sem ficar na ponta dos pés. Uso esponja, escovinha, sabão e detergente líquido. Enfrento panelas, pratos, talheres e copos sem esmorecer. Tudo isso como artifício para meditar. Ver o sujo virar limpo é similar ao que um monje faz ao recitar um mantra. Como não sei mantras, medito ao ver a sujeira virar limpeza. A sensação é maravilhosa, mas não é sobre isso que vim escrever.

Pedi que Guilherme atendesse para que eu não me desconcentrasse, mas o telefonema é para mim ou dona patroa. Pedi a dona patroa que atendesse, mas o telefonema era exatamente para esse pobre blogueiro que vos escreve.

Do outro lado, Otília, fiel escudeira dessa casa durante a semana. Nunca tivemos alguém na nossa retaguarda igual a ela, 50 anos, rosto risonho e redondinho, mãe de dois filhos. Otília, nos chegou através da Mariana, que hoje está bem longe daqui, embora em nossos pensamentos. Otília, de certa forma foi herança de Mariana. Hoje faz parte da família Cerdera/Ferreira.

Aos prantos, me relatou que seu filho mais velho, Elton, 21 anos, estava sendo ameaçado de morte. Morte por estar namorando uma moça descasada. Morte por seu ex-marido estar enciumado com a possibilidade de Miriam ser feliz com outra pessoa. Morte porque o ciumento não admite a felicidade. Morte porque os homens ainda acreditam que podem tirar a vida de outro como se fossem deuses. O referendo sobre as armas mostrou isso claramente.

Após o relato, respirei fundo e me preparei após desligar o telefone para enfrentar algo que ainda está na memória da minha infância. Ciúmes, atitudes infantis e ameaças passaram na frente da minha retina muitas vezes nessa vida.

O sujeito enciumado passou a seguir Elton e se achar o tal, já que o pobre do Elton passou a ter atitude defensiva. Daí a sair correndo quando o cara apareceu numa das vezes, fazendo gesto de quem ia sacar arma. Seria cômico se não fosse dramático.

Liguei para Leonardo, que tem um blog em obras e é uma das pessoas mais ágeis para esses casos. Racional, articulado e solidário. Essas são as características desse rapaz que tem pouco mais do que a metade da minha idade. Quando Otília não está aqui em casa ela cuida do apartamento dele quinzenalmente. Cuida dele como se fosse filho, até por isso eu a indiquei quando Leonardo me pediu orientação para sobreviver fora da casa da avó. Pedi um advogado para acompanhar o Elton até a delegacia policial, já que eles não tinham aceitado a notícia crime quando teve a primeira ameaça. A polícia é cascuda para esse tipo de gente, portanto dificilmente perde tempo se você não for com advogado registrar a queixa. Como diria minha avó, em briga de marido e mulher, não se mete a colher. Só que nesse caso tinha mais um. Daí eu me meter. Foi o próprio Leonardo quem acompanhou Otília e Elton até a DP. Lá o inspetor resolveu o caso da melhor forma, ligando para o aprendiz de feiticeiro. Avisou a ele para parar de ameaçar, porque senão ele iria detê-lo numa cela com 13 rapazes solteiros, sendo que ele cumpriria o papel da noiva. Detento odeia estrupador, pedófilo e similares. Existem leis que só funcionam dentro das celas. Ex-marido só tem um direito, o de pagar pensão aos filhos, diz a lei.

O valentão ligou ontem para a Otilia. Pediu desculpas e disse que também tinha mãe, portanto sabia o que ela estava sentindo. O que parecia um caso de polícia, era só um caso de descompensação emocional. Fácil de resolver, desde que por alguém de fora.

Mas o meu dia não acabou. Marta, vizinha, amiga e diretora da AEN, acaba de me ligar. Pede socorro para uma amiga que está sendo ameaçada de sequestro pela ex-empregada. E lá vai Dom Quixote para resolver mais um intrincado caso da psique humana. Aguardem-me, vou buscar minha capa, minha lança e chamar Sancho Pança. É muito para uma pessoa só!!!