Não sei jogar

Sei que é muita pretensão da minha parte, mas a idéia desse (mais um) blog é retratar o dia-a-dia através das lentes (onde estão os meus óculos?) tão pouco usadas por todos nós...

Tuesday, May 16, 2006

Lembrança do Carandiru


Já vai longe na memória dos brasileiros o massacre do Carandiru. Mesmo reavivado no cinema com as tintas romanceadas do roteirista, o Carandiru virou museu para que apaguemos da triste memória a ação do Estado diante de uma rebelião de presidiários.

Será que existe pior condição do que a de um presidiário? Distanciamento da família, quando a tem. Alimentação precária, vestimentas inadequadas, banho reduzido, sono inadequado, lazer (baralho, TV, rádio e futebol) restrito. Esta é a vida de um presidiário, não importa o seu crime. Não há maneira de ressocializar alguém dessa forma. Comprovado pelas estatísticas, depois de quatro anos detido em uma penitenciária, o ser humano fica embrutecido definitivamente aconteça o que acontecer daí em diante. Será que alguém já pensou em criar locais de trabalho que permitam ao preso gerar alguma renda para sua família? Não seria possível criar presídios rurais, onde os detentos pudessem plantar e colher os frutos da terra?

E os que ainda não entraram para as organizações criminosas? Ladrões de galinha que habitam nossas periferias, batedores de carteira que viajam em ônibus que aumentam o preço das passagens a seu bel prazer. Viciados que são presos com quantidade de droga classificadas como de traficante. Quando teremos penas alternativas? Esvaziando as celas de delegacias, reduziremos os gastos do estado com segurança carcerária.

Em vez de presídios não poderíamos estar construindo escolas? O que é mais barato: um estudante ou um presidiário? Buscando um exemplo paralelo, porque em vez de hospitais, não formamos médicos de família? O estado tem que estar presente ao lado do problema, em vez de deixá-lo virar bola de neve.

Cris, me lembrou ontem frase de uma juíza que define exemplarmente nosso sistema carcerário: "se nossos presídios fossem visitados por estrangeiros, eles achariam que no Brasil só negros e pobres cometem crimes".

Como diria a avó da Suzana: "a que ponto chegamos".

Tenho como princípio de vida " a não violência", mas nos últimos dias desejei que São Paulo sofresse uma intervenção federal com tudo o que fosse necessário em termos de recursos humanos, logísticos, etc. Infelizmente, o governador de São Paulo, não entendeu a necessidade. Um pouco pela incapacidade de governar e muito pelo medo de permitir a um adversário político resolver o que é da sua competência. Mais uma vez, quem perdeu foi a população paulista e também a do restante do país.

Dedico este texto ao Edu, a Lili, ao Maurício e ao Ronzi. As primeiras pessoas a quem levei meus pensamentos ao saber dos tristes acontecimentos no maior e mais rico estado de nossa federação.

18 Comments:

  • At 5:49 AM, Anonymous Anonymous said…

    Paulo, me diz: como a gente, cidadão, pessoa física, poderia se organizar e produzir algo que fizesse a diferença? Essa situação tá me incomodando tanto que eu tô topando até pintar a cara e carregar faixa em passeata. Me diz! O que é que a gente faz? Só esperar pelo próximo voto é algo que me soa passivo demaaais! Alguém tem que fazer alguma coisa. Tu que és um cabra esclarecido, o que tu acha que a gente poderia fazer pra mudar essa situação?

     
  • At 5:53 AM, Anonymous Anonymous said…

    Cansei [eu e a torcida da seleção brasileira] de esperar que o governo dê jeito. Cansei de criticar e não sugerir nada razoável [embora não pareça, eu sei que promover um revival do massacre do Carandiru é inviável]. Cansei de ficar parado achando que o voto é minha grande arma. Quem foi que disse que voto é arma? Só se for arma pra suicídio, concorda? Porque ultimamente, por mais se pense e se escolha, o voto acaba sendo a corda com a qual nos enforcaremos [e nos enforcamos!]. E também não quero mais esperar ter condições de ir embora do Brasil pra não me sentir envergonhado pelo que vivemos aqui. Cansei [cansamos].

     
  • At 6:33 AM, Anonymous Anonymous said…

    Paulinho,
    passei no blog do Guga, de lá fui até o da Cris e, depois, cheguei aqui.
    Moro e trabalho em São Paulo. O meu sentimento nesses últimos dias tem sido uma mistura de medo e raiva.
    Sobre a questão carcerária, tem um artigo do Frei Betto na Folha de S.Paulo, de hoje. Se você tiver interesse, posso te mandar por e-mail.

     
  • At 8:01 AM, Blogger Rodrigo said…

    eu como paulista, tenho vergonha da situação de meu estado...é dprimente. mas como tenho funcionários do sistema carcerário em minha familia, uns q trabalharam no tal carandiru, estavam no episódio do massacre.....AS COISAS NÃO SÃO BEM ASSIM!
    abçs, bom dia

     
  • At 8:03 AM, Blogger Madame said…

    Sabe Paulinho, eu vi em algum lugar e não sei te dizer onde foi, uma reportagem sobre um presídio brasileiro em que cada detento recebe um cachorrinho de rua para cuidar, ocupar o seu tempo, dar amor. Dois problemas resolvidos numa tacada só: os animaizinhos (que eu devo dizer, tenho mais amor a eles que a muita gente por aí)são acolhidos e os detentos melhoram consideravelmente o seu comportamento e sua vida em si. Sentem-se necessários, úteis, amados.

    Soluções como estas seriam tão bem vindas...

     
  • At 9:21 AM, Anonymous Anonymous said…

    Sem palavras, meu querido Paulinho... simplesmente perfeito!! E obrigado pelos seus pensamentos. Um beijo.

     
  • At 1:29 PM, Blogger Paulo de Tarso said…

    Rodrigo,

    Sei que as coisas não são como no cinema. Antes fossem, o cinema faz bem a alma. Mas, jamais deveriam ter sido como foram... A ROTA (Ronda Tobias de Aguiar) é a polícia que mais mata no mundo, segundo dados das Ongs especializadas em violência. Não precisamos de fazer chacinas em presídios para conter rebeliões. Isso só acontece no Brasil!

     
  • At 1:32 PM, Blogger Paulo de Tarso said…

    Lili,

    Lindo esse exemplo!!!

    beijão,

    Edu,

    Bjs em vc e no Mau!!! Rezo para que essa situação passe logo, e que possamos construir outros caminhos para resolvermos os problemas das Febens, Penitenciárias e Delegacias de Sampa.

     
  • At 1:37 PM, Blogger Paulo de Tarso said…

    Marlene, Obrigado pela visita. Volte sempre que quiser. Quem sabe em outras vezes teremos assuntos mais amenos.
    Quanto ao querido Frei Betto, se puder enviar ficarei muito agradecido. Ele é um dos meus escritores prediletos.

    abs,

     
  • At 2:31 PM, Anonymous Anonymous said…

    Paulinho,
    queria muito acreditar numa solução simples assim. Mas infelizmente o buraco é bem mais em baixo.
    Hoje o governo (geral, não sei dizer qual deles) gasta cerca de 3 mil reais pra manter um preso numa penitenciária. A comida servida lá muitas vezes é melhor do que das escolas, e muitos têm regalias que não deveriam ter pelo simples fato da segurança não conseguir barrar. E sabe porque tudo isso? Porque eles NÃO ADMITEM comer mal, não ter regalias, etc.
    Pra mim, aí está um dos grandes problemas. Concordo com você quanto ao fato deles trabalharem. Mas dw forma alguma pra sustentar a própria família. Nessa ele deveria ter pensado antes de agir. Deveriam trabalhar como forma de reabilitação e para pagar as próprias contas, além de outras contas públicas, como as das escolas, por exemplo.
    O Brasil infelizmente passa por isso por pura FALTA DE ORGANIZAÇÃO. Desde a legislação até a execução, com o desvio grotesco da corrupção. Essa mesma, que ontem fez acordo com o tal Marcola, pra cessar com os ataques.
    É triste, Paulinho. E é assim. E a pergunta é: o que é que se pode fazer, que eu ainda não sei?
    Bjo.

     
  • At 2:42 PM, Blogger Paulo de Tarso said…

    Lili,

    A solução não é tão simples assim!
    r.: Verdade! As soluções simples são extremamente complexas.

    O custo de um presidiário é de 3 mil reais.

    R.: É um pouco menor (500 reais), mas muito maior do que o de uma criança na escola. Temos atualmente três milhões oitocentas mil crianças fora da escola nas grandes metrópeles do país. Muitas por não terem família ou por seus pais estarem envolvidos com alcool, drogas ou estarem presos.
    Se vc der condições do preso trabalhar para ajudar no sustento da familia, acontecerão duas coisas
    os filhos terão algum sustento e no dia que eles cumprirem a pena, terão para onde voltar. Isto, é o primeiro passo para a ressocialização.

     
  • At 5:10 PM, Blogger Bruno Capelas said…

    Tô começando a achar que é uma boa idéia virar preso... eles tem casa , comida , roupa lavada e nem precisam trabalhar... fala sério Paulinho , até quando vamos ter que aguentar isso?

    Um abraço!

    PS:Já te adicionei no orkut!

     
  • At 5:56 AM, Anonymous Anonymous said…

    Paulinho,
    eu procurei e não achei seu e-mail por aqui e nem no seu profile. :o(
    O meu é malocapm arroba uol.com.br.
    Um abraço.

     
  • At 11:55 AM, Anonymous Anonymous said…

    Mutante,

    Experimenta ficar uma semana sem sair do seu quarto! Agora imagine-se em um presídio com super lotação

    Existem dois livros que posso lhe recomendar, já que vc também gosta de ler: Rota 66 e Abusado do Caco Barcelos. Caco ou Claúdio Barcelos de Barcelos, é jornalista do Fantástico e nas horas vagas gosta de escrever sobre o outro lado das notícias criminais. Recomendo a leitura!!! Vc vai gostar.

    abração meu amigo do Orkut

     
  • At 1:46 PM, Blogger Madame said…

    Papi, isso é pra tu ler:

    NÃO VOU MORRER NA MINHA KITCHENETE



    A ordem agora é morrer nas próprias casas. Uma das frases que mais me marcou nas últimas semanas foi justamente a frase de Sara Joanna Gould, uma americaninha de 21 anos que tá fazendo intercâmbio no Brasil. Ela falou pra Revista da Folha: “O que me surpreende não é a pobreza, comum na América Latina, mas sim a riqueza, o número de milionários num país como o Brasil”. Sacaram? Vocês que agora estão escondidos em suas casas com medo de saírem às ruas pra tomar uma inocente cerveja ou pra ir à um cinema depois de um dia cansativo de trampo e pavor? Vocês sacaram que isso que vocês estão passando nesse momento é rotina nas favelas cariocas? O toque de recolher, o abaixar as portas, o rezar baixinho pra que ninguém ouça. Às vezes tão baixinho que nem Deus ouve. E a gente faz de conta que tá acontecendo longe daqui, num país distante de alguma fábula de terror. E agora você tá vendo os buzões incendiados, as estações de metrô metralhadas, e você tá dentro do trem fantasma. E você pergunta pra mim o que eu penso disso? Eu não sou político, não faço parte de nenhuma igreja, não sou banqueiro nem empresário. Não lucro com nenhuma espécie de proibição. Mas tem gente lucrando, não tem? O pouco dinheiro que ganho trabalhando é pra pagar as contas e comprar livros. E você vem perguntar pra mim o que eu acho disso? Você acha que isso aí é só uma guerra de polícia e bandido? Faz a autópsia da situação, Brother. Com atitudes meia boca não vai acontecer nada de fato. Não vou gastar meus 1.600 toques com palavrório empolado. Libera tudo meu irmão, divide o bolo, libera as drogas, a pirataria e a putaria, deixa todo mundo trabalhar livremente e serem donos de suas próprias vidas. Oportunidade pra todo mundo melhorar de vida. Iguala as condições pra batata não assar. Mas é claro que isso não vai acontecer, não é? Então não perguntem pra mim o que eu acho disso. Nunca perguntem para alguém libertário como eu o que acho de algo assim. Você tá com a bunda no inferno e quer manter a dita refrigerada? Eu tô em casa, mas prefiro optar por não morrer aqui. Ainda posso fazer isso. Vou sair pra tomar uma cerveja. Se eu ainda tivesse um pai, arrastava ele junto comigo. Meu nome é Mário Bortolotto e não há nada que eu goste mais do que um pingado e um pão com manteiga depois de uma noite de sinuca. (Mário Bortolotto)

     
  • At 1:57 PM, Anonymous Anonymous said…

    A avó que falava assim chamava-se Aracy - uma ruiva que comportava-se como uma índia, e amava tomar banho de igarapé :o)

     
  • At 3:50 PM, Blogger anouska said…

    ruiva, eu amo esse mário. e que texto! paulinho, meu amor, ando muito cansada de ler sandices por aí. vou ficar por aqui quietinha, que é para ninguém perceber. ah! e dá uma olhada no marcus pessoa (marcuspessoa.blogspot.com). eu sempre me surpreendo com aquele cara. bj

     
  • At 4:54 PM, Blogger Paulo de Tarso said…

    Lili,

    Lindo texto!!!

    bj,

    Suzana,

    Obrigado!!! Agora acabou a impessoalidade.

    bj,


    Cris,

    Já estou indo para casa. bjs,

     

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