Em menos de um mês sofri duas tentativas de roubo do meu celular. Olha que nos meus 46 anos, isso nunca havia acontecido antes, mas para tudo nessa vida existe a primeira vez. Dessa vez, acreditem, foi com mais ousadia. Era de tarde, eu passava distraidamente em frente a uma grande loja de CDs, quando percebi um vulto se aproximando pelas minhas costas. A primeira coisa que você pensa nessa hora é que algum conhecido sem graça vai tentar lhe assustar. Só que dessa vez era um cara baixo, carrancudo e mal vestido. Ficou mais assustado do que eu quando me virei bruscamente. Mesmo assim, ainda tentou puxar numa fração de segundo o meu celular. Não conseguiu e saiu correndo em grande velocidade. Algumas pessoas vieram me prestar solidariedade, outras fingiram que não estavam por perto e ficaram olhando a paisagem para não terem que se envolver. Um senhor aparentando mais de 60 anos, me procurou e disse que tinha sido roubado naquele local pelo rapaz que havia me abordado. Fiz o que mando todos fazerem nessa hora, fui procurar uma autoridade policial para avisar da tentativa de roubo e que o cara atuava naquele local de grande movimento. A menos de 100 metros da loja encontrei uma viatura da PM e apenas um soldado que apelidarei de Lima para poupá-lo de uma punição. Ele me disse algumas pérolas que tentarei transcrever:
- Atuo nessa área há bastante tempo e nunca recebi queixa da existência de um ladrão que faça ponto em frente a loja de CD.
- Lima, eu acredito no que você está me dizendo e sei que você não vai fazer milagres por aqui sozinho. Aqui devem passar mais de cinco mil pessoas a cada meia hora. Acho mais ainda, se a Governadora não tivesse extinto o serviço dos soldados da paz*, eu não estaria prestando queixa a você e talvez nem tivesse sofrido tentativa de roubo.
Nessa hora, ele me olhou e resolveu desabafar:
- Eu sou alvo mais do que o senhor. Estou aqui parado tomando conta de uma viatura, que se sofrer danos sou responsabilizado com possível prisão. Os motivos que levaram a governadora a extinguir os Soldados da Paz * me fazem crer que os motivos excusos dessa decisão não serão os mesmos que o atual Governador - nessa hora tentou lembrar o nome e eu tive que ajudar...
- Sérgio Cabral!
- ... que o fará manter a decisão errada que ela teve. Como o senhor já disse, eu não posso fazer milagres patrulhando uma área desse tamanho sozinho. Irei até o local que o senhor está me informando que o sujeito atua.
Nesse momento me coloquei no lugar do soldado. Olhei para o uniforme dele e o que me chamou a atenção foi que dizia que seu sangue era do mesmo tipo que o meu.
- Lima, temos algo em comum. Meu sangue é igual ao seu. - disse ao me despedir apertando a sua mão.
- Está ao seu dispor - falou-me sorrindo.
Saiu caminhando em direção ao local da tentativa do crime. Tão desprotegido quanto eu, mas tendo que o fazer por ser o exercíco da sua profissão. Até quando?
* Os Voluntários da Paz eram divididos em grupos de cinco e acompanhados por um PM, ajudando a combater o crime em 43 pontos da cidade;
eles recebiam auxílio mensal no valor de R$ 493,00 incluídos vale-transporte e tíquete-refeição;
o limite de idade para ser um Voluntário da Paz era de 23 anos. O estágio era de um ano, sendo possível renová-lo por mais um ano;
a tropa que fez sucesso durante a sua curta existência, era formada por ex-reservistas do exército que dispensa 13 mil jovens em todo o estado do Rio anualmente.